sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Resenha do livro "Casa Grande & Senzala" de Gilberto Freyre


O capítulo V inicia-se com a narrativa sobre os modos e costumes dos meninos das casas-grandes. O autor explica que desde muito cedo os meninos filhos dos senhores de engenho e participantes da elite eram obrigados a se comportarem como adultos desde os nove ou dez anos, usando trajes na cor preta e andando de forma grave com gestos sisudos e ar tristonho.

Gilberto Freyre cita a reflexão de muitos pesquisadores que estiveram em nosso país durante os anos da colonização, como Luccock que esteve em visita ao Brasil no início do século XIX, observando os costumes de nossa sociedade, notando assim a falta de alegria nos meninos e a pouca vivacidade dos rapazes. Ele também observou que até os cinco anos de idade muitos dos meninos andavam nus como os moleques da senzala, sendo quase indistinguível a diferença entre ambos. Durante sua visita, o pesquisador notou que os meninos estudavam em salas de aula pequenas e sem ar, onde todos liam alto e ao mesmo tempo. Em visita ao Seminário de São José no Rio de Janeiro, Luccock observou os alunos na hora do recreio onde notou que todos usavam uma batina encarnada, alguns com os cabelos cortados como clérigos e sem demonstrar nenhuma elasticidade de inteligência, bem como curiosidade de espírito. Além disso, declarou que muitos não demonstraram boas maneiras e ainda por cima, os considerou pouco asseados. Considerou o ensino extremamente eclesiástico e notou que a maioria dos professores era pouco versado em ciências.

Entretanto, nesta mesma época, o bispo Azeredo Coutinho transmitiu ao Seminário de Olinda um feitio oposto àquele que Luccock observou no Seminário de São José. Até meados do século XIX, quando vieram as primeiras estradas de ferro, o costume dos meninos de engenho foi o de fazerem os estudos em casa com capelão ou mestre particular. A maioria das casas-grandes possuía sala de aula e muitas até cafua, espécie de aposento que servia de prisão e castigo para alunos vadios. Muitas vezes uniam-se aos meninos alguns moleques da senzala para aprender a ler, escrever, contar e rezar.

Os colégios jesuítas, seminários e colégios de padres nos primeiros dois séculos de colonização, foram os principais focos de irradiação de cultura no Brasil. Apenas negros e moleques parecem ter sido barrados nas primeiras escolas jesuíticas. Até o século XVIII a lei portuguesa não permitia o casamento entre brancos e caboclos. As mesmas também proibiam indivíduos com sangue de mouro ou negro de serem admitidos ao sacerdócio. Apenas a partir do século XIX começaram a surgir padres com sangue negro.Os pretos e pardos no Brasil não foram apenas companheiros dos meninos brancos nas aulas das casas-grandes ou mesmo nos colégios, houve também meninos de engenho que aprenderam a ler e escrever com professores negros. Os professores negros podiam ser vistos andando pelas ruas com trajes considerados de pessoas da classe alta e letrada de seu tempo.

Felizes dos meninos que aprenderam a ler e a escrever com professores negros, doces e bons. Devem ter sofrido menos que os outros: os alunos de padres, frades, “professores pecuniários”, mestres-régios – estes uns ranzinzas terríveis, sempre com a vara de marmelo na mão. Os negros foram os músicos da época colonial e do tempo do Império. Os moleques da senzala, meninos de coro nas igrejas. Houve ainda em alguns engenhos, bandas de música formadas apenas por escravos africanos e também, circo de cavalinhos onde os escravos faziam-se de palhaços e acrobatas.

Durante os séculos XVI, XVII e XVIII os colonos eram vistos utilizando roupas impróprias para o clima quente de nosso país: usavam tecidos como veludo e seda e muitos saíam às ruas apenas em palanquins fabricados com os mesmos tecidos. Estes palanquins de luxo podiam ser considerados verdadeiros fornos ambulantes e os mesmos eram carregados por negros escravos durante dias inteiros, viajando de um engenho a outro ou passeando pelas ruas da cidade. Em casa, a maioria dos senhores também se estabelecia sempre sentada. As mulheres de tanto permanecerem sentadas, quando se colocavam de pé chegavam a cambalear. Até mesmo nas igrejas esparramavam-se pelo chão de pernas cruzadas, por vezes em cima de sepulturas ainda frescas. É verdade que depois da Independência começaram a aparecer colégios particulares e a freqüentá-los, filhos de magistrados e altos funcionários públicos, de negociantes e até de senhores de engenho. Imagine a saudade com que os meninos de engenho, acostumados a uma vida toda de vadiação – banho de rio, arapuca de apanhar passarinho, briga de galo, chamego com as primas e negrinhas – deixavam essas delícias para virem, de barcaça ou cavalo, estudar nos internatos; ou mesmo nos externatos – neste caso hospedando-se em casa dos comissários de açúcar ou café. Os comissários foram muitas vezes uns segundos pais dos meninos de engenho.

Com o surgimento das estradas de ferro em 1850, o ingresso dos meninos de engenho nas escolas das capitais tornou-se mais fácil. Nestas escolas eles tinham lições de aritmética, geografia, latim, francês, caligrafia e música. Os alunos compareciam às aulas de paletó preto e calças pardas, sapatos de tapete ou couro e gravata azul. Nos dias de festa e nos domingos deviam apresentar-se de sobrecasaca preta, calça preta, chapéu preto, colete branco, gravata de seda preta, sapatos ou borzeguins pretos. Eram obrigados a banhar os pés nas quartas e sábados e a tomar banho geral uma vez por semana.

Com o aparecimento de maior número de colégios, um assunto que começou a preocupar os higienistas da época foi o da higiene escolar, particularmente a higiene dos internatos. Muito menino do interior morreu de febre ou de infecção nos colégios das capitais. Chamou-se atenção dos pais e mestres para os perigos do onanismo (masturbação) e também para a pederastia. Houve um grande avanço da gonorréia e da sífilis – indício de grandes excessos sexuais entre os meninos de colégio. Abusou-se criminosamente da fraqueza infantil. Houve verdadeira volúpiaem humilhar a criança. Reflexo da tendência geral para o sadismo criado no Brasil pela escravidão e pelo abuso do negro.

O mestre era um senhor todo-poderoso. Do alto de sua cadeira, que depois da Independência tornou-se uma cadeira quase de rei, com a coroa imperial esculpida em relevo no espaldar, distribuía castigos com o ar terrível de um senhor de engenho castigando negros fujões. Ao vadio punha de braços abertos; ao que fosse surpreendido dando uma risada alta, humilhava com o chapéu de palhaço para servir de deboche da escola inteira; a um terceiro, botava de joelhos sobre grãos de milho. Isto sem falar da palmatória e da vara – esta, muitas vezes com um espinho ou um alfinete na ponta, permitindo ao professor furar de longe a barriga da perna do aluno.

Quanto à caligrafia cabe destacar que o mestre gastava horas e horas aperfeiçoando os bicos das penas de ganso, e depois disso, iniciava-se a tortura – o menino com a cabeça para o lado, a ponta da língua de fora, em uma atitude de quem se esforça para chegar à perfeição; o mestre, de lado, atento à primeira letra gótica que saísse torta. Um errinho, qualquer - e eram bordoadas nos dedos, beliscões pelo corpo ou puxões de orelha.Outro estudo sagrado foi o de latim. Quanto à soletração, aprendia-se “em uma balburdia enfadonha”, diz-nos o padre Sequeira. Soletrando-se tudo alto.

Cantando-se:
B – a – bá
B – e – bé
Ba! Bé!

A outros tormentos esteve obrigada a criança branca – e até a preta ou mulata, quando criada pelas iaiás das casas-grandes. Para tomarem ar de europeus, os barões e viscondes do Império deixavam que seu filho judiasse de moleques e negrinhas, mas na sociedade dos mais velhos o judiado era ele. Nos dias de festa devia apresentar-se de roupa de homem, e duro, correto, sem machucar o terno preto em brinquedo de criança. Ao pai devia chamar “senhor pai” e à mãe “senhora mãe”: a liberdade de chamar “papai” e “mamãe” era só na primeira infância. No século XIX, este costume modificou-se bem como o das mulheres só chamarem o marido de “senhor”. Até então, esposas e filhos se encontravam quase no mesmo nível dos escravos. Somente depois de casado o filho arriscava-se a fumar na presença do pai; e fazer a primeira barba era cerimônia da qual o rapaz necessitava sempre de licença especial. Licença sempre difícil, e só obtida quando o buço e a penugem da barba não admitiam mais demora.

As meninas deveriam ser sempre tímidas, com ar humilde. Ai daquela que erguesse a voz. Os namoros eram sempre escondidos, quase sem conversa e agarrado de mão. As moças andavam sempre bem vestidas, com véu, para esconder o corpo.

As mulheres, de quinze anos, eram casadas com velhos de quarenta, cinqüenta e até sessenta nos. Às vezes, por vingança, as escravas fuxiquentas inventavam histórias de namoros das sinhás-donas. O que causou diversos assassinatos por suspeitas de infidelidade conjugal. Um caso impressionante foi o do coronel Fernão Bezerra Barbalho, que assassinou as mulheres e as filhas.As mulheres brasileiras eram tão fogosas, que arriscavam a vida e a honra por uma aventura de amor. A consequência era serem umas apunhaladas pelos maridos, outras se tornavam cortesãs à disposição de brancos e negros. As presenças de negras e mulatas eram uma excitação ao pecado, algo difícil de resistir no Brasil.O que houve no Brasil – cumpre mais uma vez acentuar com relação às negras e mulatas, ainda com maior ênfase do que com relação às índias e mamelucas – foi à degradação das raças atrasadas pelo domínio da adiantada. Os jesuítas conseguiram vencer nos primeiros colonos a repugnância pelo casamento com índias. Introduzidas as mulheres africanas no Brasil dentro de condições irregulares de vida sexual, a seu favor não se levantou nunca, como a favor das mulheres índias.

Com o açúcar vendido em maior quantidade e por melhores preços na Europa, desenvolveu-se nos fins do século XVI, não tanto o luxo como desbragada luxúria entre os senhores de engenho do Brasil. O açúcar não teve, por certo, responsabilidade direta pela moleza dos homens, mas teve como causa direta: a exigência de um número maior de escravos; repelindo a policultura. Exigindo escravos para “mãos e pés do senhor de engenho”. Ociosa, mas alagada de preocupações sexuais, a vida do senhor de engenho tornou-se uma vida de rede. Nos Estados Unidos, o uso da rede não chegou a dominar como aqui. As voluptuosidades e indolências só eram quebradas pelo espírito de devoção religiosa. Andava-se de rosário na mão, bentos, relicários, patuás, Santo Antônios pendurados ao pescoço; todo o material necessário às devoções e às rezas. Ao deitar-se, rezavam os brancos da casa-grande e, na senzala, os negros veteranos:

“Com Deus me deito,
com Deus me levanto,
Com graça de Deus e do Espírito Santo,
Se dormir muito, acordai-me,
Se eu morrer, alumiai-me
Com as tochas da vossa Trindade
Na mansão da Eternidade.”

Ao sentirem aproximar-se a morte, pensavam os senhores nos seus bens e escravos em relação com os filhos legítimos seus descendentes. Raro o senhor de engenho que morreu sem deixar alforriados, no testamento, negros e mulatas de sua fábrica. Por vezes o “alforriado” era um bastardo, fruto dos amores do senhor ou de uma pessoa da família com uma negra da casa.Os enterros faziam-se à noite, com grandes gastos de cera; com muita cantoria dos padres em latim; muito choro das senhoras e dos negros. Ao contrário do luxo utilizado nos enterros dos senhores e seus familiares, os negros, é claro, não se enterravam envolvidos em sedas e flores, nem dentro das igrejas.

Enrolavam-se seus cadáveres em esteiras; e perto da capela do engenho ficava o cemitério dos escravos, com cruzes de pau preto assinalando as sepulturas. Um traço importante de infiltração de cultura negra na economia e na vida doméstica do brasileiro resta-nos acentuar: a culinária. Várias comidas portuguesas ou indígenas foram, no Brasil, modificadas pela condimentação ou pela técnica culinária do negro.

Os negros dos serviços domésticos, todavia, gozavam de bom tratamento, existindo mesmo hierarquia e divisão de trabalho dentro das fazendas e engenhos. Como por exemplo: mucamas arrumadeiras, molequinhos para recados, copeiros. Na cozinha, cada mulher tinha a sua especialidade; a uma competia o preparo do peixe, a outra o da carne etc. Alguns engenhos tomaram nomes de origem africana – Zumbi, Cafundó, Cabida, Fubá.

No principalmente pela introdução do azeite-de-dendê e da pimenta-malagueta, tão comuns na cozinha baiana, o quiabo também é de origem negra. Várias comidas indígenas ou portuguesas foram modificadas pela técnica africana- a farofa e o vatapá por exemplo. Dos três centros de alimentação afro-brasileira – Bahia, Pernambuco, Maranhão-, o primeiro era o mais importante.
Vendiam-se nas ruas de Salvador – a mais afro-brasileira das cidades grandes-, caruru, mocotó, vatapá, pamonha, canjica, acaçá, abará, arroz-de-coco, angu, pão-de-ló-de-arroz e de milho, etc. As negras doceiras, de tabuleiro, ofereciam seus doces enfeitados em papel azul ou vermelho. E recortados em forma de corações, cavalinhos, pássaros, peixes. Os tabuleiros forrados de toalhas brancas, geralmente, repousavam em armações de pau, num pátio de igreja ou ao lado deum sobradão.

Viam-se, ainda, as negras de fogareiro, preparando o peixe frito, o regime alimentar brasileiro, a contribuiçãoafricana magunzá, o milho assado, a pipoca, o grude, o manuê. De noite, os tabuleiros eram iluminados com rolos de cera ou candeeiros flandres.Muitas das receitas africanas são muito bem descritas por Gilberto Freyre, ele as utiliza como documentos históricos.

(Integrantes do grupo: Aline Brito Miranda, Julianna Toniazzi Viana, Nathália Gris Seibt e Priscila Costa da Silva Aristimunha)

4 comentários:

  1. Bom dia,
    Sou Adriano e visitei este blog. Como não sei exatamente de quem é o blog, deixo aqui, aos cuidados de Mateus Pereira, o meu agradecimento pela resenha, e pela leitura que farei dela para ajudar na leitura que faço atualmente do livro Casa Grande e Senzala. Obrigado mesmo. Abaixo, os meus dados

    Adriano Albuquerque Gomes
    www.pensatez.blogspot.com

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    1. O blog é mantido pelos monitores de história da educação da UFRGS. Eu sou um deles.

      De nada, que bom que o blog está ajudando.

      Abraço

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  2. Essa resenha é so do capitulo V ? ou dos demais tb ?

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  3. MUITO BOA A RESENHA, EMBORA ABORDE APENAS PARTE DO LIVRO... MUITO ÚTIL PARA MEU TRABALHO. OBRIGADA.

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